Queridos
meninos da Escola do Castelo:
O sapo sapinho doutor, o papagaio que faz banzé, o
grilo da perna torta, a menina da estrelinha miudinha a luzir, e mais uns
quantos que vocês agora conhecem, ficaram meus amigos para toda a vida. E
trago-os muitas vezes dentro da cabeça, mesmo quando não dou muito por isso. E outras
vezes aparecem-me uns versos do Sidónio Muralha na ponta da língua. E os
desenhos do Pomar na ponta das pestanas. E foi há tantos, tantos anos que fiz
estes amigos. E muitos outros meninos também.
Tive a sorte que nem todos tiveram de conhecer quem
escreveu, quem desenhou e quem inventou as músicas que estão neste livro. A
Francine Benoit ainda me ensinou um bocadinho de piano… Vejam lá…
Quando a minha filha já lia, passei-lhe o livro e
aconteceu-lhe, parece-me, uma coisa parecida. Até lhe comprei uma nova edição,
acabada de sair – mas infelizmente muito mais feia – a ver se não se estragava
ainda mais o belíssimo livro com que eu tinha andado para trás e para diante, e
que até tem uma dedicatória do Sidónio Muralha e do Júlio Pomar …
Um livro cheio de verdes, vermelhos, azuis e amarelos
e traços do Pomar que não coincidem com as cores – e era a isso que eu achava
graça. E ainda acho. Vejam lá…
Lembro-me muito mais do livro, que me foi acompanhando,
do que do Sidónio Muralha, que o escreveu, e que depois escreveu muitos outros
livros para crianças. Eu era muito pequena quando ele foi para fora de Portugal
– primeiro para África, depois para o Brasil, onde passou a viver e onde morreu.
Só cá vinha às vezes.
O Sidónio Muralha saiu de cá porque não conseguia
viver e escrever num país sem liberdade, como foi esta nossa terra até ao 25 de
Abril de 1974. Eram perseguidos e mesmo presos aqueles que queriam que o mundo
fosse de outra maneira e faziam coisas para isso acontecer.
Foi por quererem um mundo em que todos pudessem dizer
o que pensavam e onde não houvesse pobres e ricos – os pobres a sofrerem e os
ricos de perna estendida – que Mário Dionísio, o meu pai, e Sidónio Muralha (e
muitos outros, como o Pomar e a Francine) se tornaram amigos para a vida inteira
e fizeram coisas juntos.
Por exemplo, ainda antes de eu ter nascido, no sítio
onde hoje é a Casa do Alentejo, ali em baixo, Mário Dionísio com muitos amigos
(o Sidónio Muralha e a Francine Benoit estavam neste grupo), organizaram uma
série de sessões sobre assuntos a que nem toda a gente ligava e de que as
pessoas sabiam pouco, para elas ficarem a saber mais (arte, literatura, música,
pintura...). Pois olhem, fez-se a primeira e a segunda foi interrompida pela
polícia. E não pôde haver mais. E as pessoas ficaram sem saber o que podiam ter
aprendido.
Alguns deles eram poetas. Também isso juntava Mário
Dionísio a Sidónio Muralha. Muito novos ainda, pouco tempo antes dessas sessões
na Casa do Alentejo, publicaram quase ao mesmo tempo, os seus segundos livros
de poemas numa mesma colecção chamada «Novo Cancioneiro» que juntou muitos mais
poetas além deles. Todos queriam escrever de uma maneira nova, para mais gente do
que aqueles que costumavam de ler, e falar nos seus versos de coisas que então
apareciam pouco na poesia.
«Poemas» chama-se o livro de Mário Dionísio que saiu
nesta colecção, quando ele tinha 25 anos. «Passagem de Nível» era o nome do
livro do Sidónio Muralha, tinha ele 22.
Foi aqui que começaram novas maneiras de escrever. A isso
se chamou «Neo-realismo», de que uns gostam e outros não, e que mais tarde
vocês virão a saber o que foi. Hoje digo só que, para todos eles, o povo era muito
importante. E mudar o mundo ainda mais.
Grande abraço da Eduarda Dionísio
Fevereiro de 2013
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